terça-feira, 14 de janeiro de 2014

O Alzheimer lá em casa

Entre as 44 milhões de pessoas no mundo que têm o Mal de Alzheimer, uma mora na minha casa. A mulher que me ensinou a ler e a rezar, criou a minha mãe e os meus tios, tropeça em lembranças e às vezes nem lembra. Pergunta e repergunta meu nome, esquece que me carregou no colo e curou minhas febres. Às vezes parece viver em um mundo só dela, com lembranças do passado. Faz as mesmas perguntas cem vezes. E é preciso respondê-las. Ela não quis esquecer, tenho certeza. Ela gostaria de ter todas as suas lembranças de volta, não tenho dúvida. Ela gostaria de lembrar que curso fizemos na Universidade e quantos anos temos. E como ela fica feliz quando o Alzheimer perde pra ela. Ontem, ela lembrou que eu não gosto de comer peixes. Lembrou e esqueceu. Mas eu estive lá, inteira em sua memória. Ponto para ela. Porém, parece tão frágil diante de memórias que tenho de uma vida tão forte. Minha vó foi uma líder, em casa, na igreja e nos movimentos sociais. Uma leitora de primeira linha, nunca se passou um dia de minha infância e adolescência que eu não a tenho visto ler. Escritora refinada. Mãe politicamente correta e amavelmente boba. A melhor vó que alguém poderia ter, eu tenho. Sinto por aqueles que têm vínculos sanguíneos com ela, mas nunca quiseram dormir em suas costelas. Minha vó pode até não lembrar mais de nossa história, mas ela é a história da nossa família. Por isso, na minha casa o Alzheimer é um convidado sem muito prestígio. Não levamos muito em consideração a sua fama de aproveitador de 44 milhões de pessoas. Porque na minha casa, a pessoa mais importante das nossas vidas não gostaria de tê-lo. E a cada dia descobrimos que ele não é mais forte que o amor, que a história, que uma família. Mas é preciso conviver com ele. Porque ele afeta o cérebro, mas nunca o coração. Um beijo, minha vó.

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